Ética jornalística

Jornalismo: questão de ética

Antes de falar qualquer coisa sobre a ética no jornalismo, precisamos refletir sobre a ética na sociedade brasileira. É possível cobrar dos jornalistas, que antes de tudo são humanos, que sejam incorruptíveis no meio de tantas pessoas que estão acostumadas a corrupção, seja guardando lugar na fila ou desviando milhões de obras públicas ? Cada um sabe e responde por seus atos, e, antes de colocar toda a culpa de tudo que ocorre no mundo nos jornalistas, deve fazer uma auto-avaliação e ver se quem acusa também não pode ser acusado.

Com essa reflexão feita, pode-se começar a discutir a ética no jornalismo em si. Segundo o Aurélio, a ética é a ciência da moral. Assim sendo, ela deve estudar os bons costumes, o cabível, o que não agride nem denigre algo ou alguém. Uma conduta ética é aquela que respeita tudo isso; e um código de ética é uma série de preceitos que pregam o respeito aos valores de uma sociedade. Uma série de pesquisas e entrevistas mostra os resultados do que é ética no jornalismo.

Em entrevista, a jornalista Carla Pollake deu afirmações contundentes e polêmicas sobre a ética na mídia. Carla diz que a ética do profissional fica em segundo plano quando é comparada com os interesses da emissora, sua empregadora. Ao entrar num grupo de comunicação, o profissional tem uma série de preceitos éticos que ele carrega consigo, que podem não bater com os do grupo. Quando ambos entram em conflito, o jornalista ou se sujeitará ao que a empresa diz ou fará grande alarde e tem grandes chances de ser demitido da emissora, por pregar algo contra o que a mesma apregoa. Assis Chateaubriand, grande comunicador da primeira metade do século XX, ilustrava isso com uma simples frase: ” Se quer ter opinião, compre um jornal “.

As empresas de comunicação, em tese, tem seus compromissos éticos para com seu público. Em tese, pois, muitas vezes, vê-se o contrário. Isso ocorre porque a comunicação submete-se aos conceitos mais mercantis existentes, e não tem como condição de existência levar a informação ao cidadão. Informação que é direito de toda e qualquer pessoa segundo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948. Sem esse artigo respeito, a democracia sai prejudicada, pois a sociedade ou não tem como argumentar em debates públicos ou fundamenta seu pensamento em uma verdade que lhe é imposta por outra classe que não a sua, o que caracteriza a alienação.

Ao tentar discutir a ética no jornalismo, o primeiro grande obstáculo são os próprios jornalistas. Claro que existem exceções, mas a maioria acha que discutir ética é uma discussão inócua, uma armadilha de algum oponente ou uma arma para botar medo em seu chefe. O curioso é que ao agir assim ele não só não está errado como até tem algum fundamento. Infelizmente, essa discussao também é levantada por alguns profissionais de pouca índole para tentar incriminar bons jornalistas. A atitude pouco animadora em evitar discussões éticas é coerente com a politicagem nacional, já que a palavra ética, no Brasil, é muito mais lembrada como adjetivo do que como subjetivo, sendo muito mais um complemento que uma fundamentalidade. Ao não falar de critérios e questões éticas, as empresas de jornalismo querem dizer aos seus leitores que são independentes; e que seus valores não são o motivo da comunicação, mas sim a informação que elas repassam, que são justos e verdadeiros por natureza, não aceitando argumentos contrários.

O jornalismo, por si só, é um resultado da ética. O objetivo jornalístico é deixar claro aquilo que querem omitir, mas que o público tem o direito de saber. A ciência existe para descobrir verdades incômodas, que não deveria-se saber. Se há uma pessoa que saia perdendo, a notícia – e notícia, aqui, não é uma informação, é uma verdade inconveniente – há quem saia ganhando. Por esse motivo, é importante ver a independência das redações jornalísticas dos demais setores, sobretudo do setor de publicidade, que lida com os interesses monetários das empresas. Para distinguir essas duas áreas, Bucci cita o modelo de ” igreja-estado “, no qual um grupo de comunicação seria dividido entre uma área editorial e outra comercial, sendo o jornalismo a igreja e o negócio o estado, um tendo religiosamente o mesmo valor que o outro. Cada decisão em redações de comunicação tem seu efeito ético; sendo assim, é necessário confiar em seus superiores nas empresas e sentir que há ensinamentos por parte dele. Hoje em dia, o desafio desse método é manter a independência com tantos conglomerados e fusões de grupos de comunicação, o que ainda não é consenso entre público e mercado.

O bom jornalismo é, obrigatoriamente, ético. Ao não discutir questões éticas com a sociedade, que é quem sustenta toda a logística do jornalismo, a mídia perde valor e credibilidade. O que sedimenta a confiança entre imprensa e sociedade é a prática ética, portanto. Para Carlos Soria, da Universidade de Navarra, a equação é simples: Ética = Qualidade de Informação. Eugênio Bucci, porém, alerta que não existe verdade dos fatos, e sim versão dos fatos, pois cada jornalista tem um costume, uma cultura, uma tradição, uma criação, etc.

Já que verdade absoluta não existe, corre-se o risco do jornalista, cada vez mais, julgar-se superior ao bem e ao mal de acordo com o que repassa para o cidadão. Porém, essa relação tem que ser inversa: o jornalista deve estar a serviço do cidadão. Caso contrário, tudo o que conhecemos como jornalismo não tem sentido algum. Quando algum profissional julgar-se auto-suficiente na questão ética, sem a necessidade de reflexão e de crivo de seu público, temos o inverso do jornalismo

O maior bem que um jornalista, enquanto profissional, pode possuir é sua credibilidade, e não seu emprego. É a credibilidade que o dará destaque, é o que vende, é o que será seu ganha-pão. O público valoriza a independência; logo, a independência tem que aparecer para o público. Os próprios grupos jornalísticos prezam a independência para obter lucro; a honestidade é uma especulação de lucro visto que a informação é uma mercadoria e um direito de todos.

Há diferenças éticas também quando discutimos o papel do assessor de imprensa enquanto jornalista. Para um assessor, é comum trabalhar para duas empresas, desde que essas não sejam antagônicas. Para um jornalista com ofício no jornalismo, a situação é bem mais complexa. A própria atividade de assessoria de imprensa não combina com a função dum jornalista ou dum editor. O mesmo caso se aplica a jornalistas contratados por agências de publicidade que faz trabalhos para ter mais dinheiro no fim do mês. A independência jornalística só tem valor quando é escancarada, condenando não só os conflitos como também as aparências de interesses. Ao aceitar presentes de suas fontes, por exemplo, sua idoneidade é colocada em xeque. Ele pode continuar sendo ético, mas pelo simples fato de haver alguma dúvida, sua autenticidade pode não ser mais a mesma.

É interessante observar que há diferenças éticas entre alguns veículos de comunicação e até mesmo dentro deles, de acordo com a editoria observada. Um repórter de política ou de economia deve ter lições de ética mais firmes que um de turismo. Segundo Celso Nucci, ex-secretário editorial e diretor do Grupo Abril, a diferença se dá pois a informação não tem tanta relevância quanto a do noticiário político. Para o consumidor, entretanto, essa distinção não tem lógica. O bom jornalista, que preza por sua credibilidade, tem o dever de ao menos tentar convencer sua empresa que banque os gastos relacionados a reportagens.

É interessante notar também que tudo o que considera-se ético ou anti-ético não é algo imutável, mas sim efêmero. Uma mesma época pode comportar duas normas de condutas éticas simultaneamente, sem uma agredir a outra. Com o passar do tempo, porém, o que outrora era tido como ético pode ser considerato anti-ético, e vice-versa. Isso ocorre porque a sociedade muda, logo os comportamentos e as opiniões mudam. Nada mais normal, então, que um conceito também mudar conforme o tempo passa.

A neutralidade é tão falada no jornalismo que é quase uma questão extra-ética na área. Não há como ser imparcial e neutro se o ser humano é parcial e tendencioso. Para Eugênio Bucci, os jornalistas simulam neutralidade de três formas:

Ocultação involuntária: o jornalista esconde de toda e qualquer forma que não tem preceitos ou preconceitos, ou finge que isso não atrapalha em sua função.
Ocultação deliberada: parte do princípio de que o público pensa que o jornalista é sempre imparcial, ajudando a alimentar o mito da neutralidade
Ocultação determinada pela servidão voluntária: ocorre com os jornalistas que comprar cegamente o que o chefe fala.

Para combater tais males, o autor aconselha outras três atitudes: conhecimento de si mesmo e do ser jornalista; transparência na relação com seus colegas de trabalho e superiores; e abertura de idéias e opiniões para com o público. Também é necessário lembrar que, como qualquer ocultação ou erro de comunicação, já a desinformação, prejudicial no jornalismo. Sentidos e habilidades dum profissional que conhece determinado assunto, mesmo tendo alguma opinião formada, entretanto, enriquecem, e não empobrecem, aquilo que será levado a quem quer que seja.

Levando em conta o dito acima, pode-se depreender que um jornalista político nada mais é que um político, mas que usa a imprensa, e não o plenário, para expor suas idéias. Também é importante que ele deixe de lado o partidarismo para dar voz a opinião e a informação, bem como um veículo não pode ser subordinado a um partido e/ou candidato.

Já foram feitos diversas listas de pecados capitais jornalísticos. Para ilustrar melhor o trabalho, eles são apresentados a seguir, em tópicos:

Paul Johnson, publicado pelo Jornal da Tarde:
1- Distorção, deliberada ou inadvertida.
2- Culto das falsas imagens.
3- Invasão da privacidade.
4- Assassinato de reputação.
5- Superexploração do sexo.
6- Envenenamento das mentes das crianças.
7- Abuso de poder.

Marcelo Leite, publicado pela Folha de São Paulo:
1- ” Fernandohenriquismo “ – hoje, contextualizando, adiciona-se um político ou partido mais o sufixo ” ismo ”
2- Vazamentismo.
3- Offismo.
4- Retranquismo.
5- Egocentrismo.

Ciro Marcondes Filho, no livro ” A saga dos Cães perdidos “:
1- Apresentar um suspeito como culpado.
2- Vasculhar a vida privada das pessoas, publicar detalhes insignificantes de personalidades e de autoridades para desacreditá-las.
3- Construir uma história falsa, seja em apoio a versões oficiais, seja para justificar uma suspeita.
4- Publicar o provisório e o não-confirmado para obter o furo. Transformar o rumor em notícia.
5- Filmar ou transmitir um suicídio ao vivo.
6- Expor pessoas para povar um flagrante.
7- Aceitar a chantagem de terroristas.
8- Incitar ” rachas “
9- ” Maquiar ” uma entrevista coletiva ou exclusiva.
10- Comprar ou roubar documentos.
11- Gravar algo á revelia, instalar microfones escondidos.
12- Omitir que se é jornalista para obter confidências.

Paul Johnson também fez os ” dez mandamentos jornalísticos “, que busca combater os problemas mais comuns em tudo que envolve o jornalismo:

1- Desejo dominante de descobrir a verdade.
2- Pensar nas consequências do que se publica.
3- Contar a verdade não é o bastante. Pode ser perigoso sem julgamento informado.
4- Possuir impulso de educar.
5- Distinguir opinião pública de opinião popular.
6- Disposição para liderar.
7- Mostrar coragem.
8- Disposição de admitir o próprio erro.
9- Equidade geral.
10- Respeitar e honrar as palavras.

Sobre o infoentretenimento, Eugênio Bucci destaca que, hoje, o jornalismo não é o único responsável por tudo o que conhecemos como comunicação. A área de comunicação social é muito mais ampla até que os meios de comunicação em si. Assessorias de imprensa, marketing e sobretudo a publicidade, que invadiu até mesmo o meio político, acabam confundindo-se. Hoje, não se engaja politicamente, se consome uma idéia. O espetáculo ganha cada vez mais força, com todas as áreas convergendo para ele, e com os conteúdos cada vez mais longe das redações.

O mesmo Eugênio Bucci elenca as quatro idades da imprensa. Para facilitar a reflexão individual, vamos apresenta-las, novamente, em tópicos:

Primeira idade: Imprensa de opinião – do século XVIII até a primeira metade do século XIX
Grande influência e uso da linguagem literária nos textos, com estilo, temas e conteúdo polêmicos.
Segunda idade: Imprensa comercial – da primeira metade do século XIX até o século XX
Já com grandes elementos relativos à publicidade, aos interesses dos leitores e sem o objetivo principal de fazer campanha ideológica e/ou política
Terceira idade: Imprensa do público como consumidor de massa – do início do século XX até a década de 1970
Nota-se o alargamento do espaço público e a influência direta dos meios audiovisuais, ajudando a remodelar os meios de comunicação e, até mesmo, reinventá-los
Quarta idade: Imprensa das relações públicas generalizadas – a partir da década de 1970
Tal nome, dado por Bernard Miége, reflete o início da preocupação de Estados, empresas e instituições de promover a organização do conteúdo de acordo com o que for importante para cada uma delas. A mídia é apenas a passagem, o meio para a massificação.

Com tantas dúvidas e tantas confusões que a ética desperta, nada mais normal que tudo que a envolve seja de difícil compreensão. Com o trabalho, espera-se que o comportamento, a mente e as idéias dos futuros jornalistas levem em conta não só o conteúdo, mas também a ética, buscando o bem comum do público interessado na informação e de toda a sociedade. Mesmo com um conceito tão cheio de poréns, é necessário olhar para e pensar em si mesmo e para quem o terá como fonte de informação para o jornalismo não desinformar, e levar a informação íntegra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E ESPECIALISTAS CONSULTADOS

ANER, Comissão de Ética da. Dezembro de 1997.
ASNE, Comitê de Ética. Cânones do Jornalismo. 1922.
AURÉLIO, Dicionário.
BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. Companhia das Letras, 2000.
FILHO, Ciro Marcondes. A saga dos cães perdidos. Hacker Editores, 2000.
JOHNSON, Paul.
LEITE, Marcelo.
MIÉGE, Bernard. Espaço público: perpetuado, ampliado e fragmentado, n° 3, 1999.
NUCCI, Celso.
POLLAKE, Carla.
SORIA, Carlos. Normas y conflictos, n° 1.
CHATEAUBRIAND, Assis. Chatô, o Rei do Brasil. Companhia das Letras, 1994.

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